Mostrar mensagens com a etiqueta neo-barroco. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta neo-barroco. Mostrar todas as mensagens

domingo, março 16

Adriana Varejão, Rio de Janeiro / Brasil - arte contemporânea - neo-conceptualismo

«Figura de Convite I» 1997, óleo sobre tela


«Figura de Convite II» 1998, óleo sobre tela

Azulejaria em Carne Viva series
«Azulejaria com Incisão Horizontal» 1999
(madeira, alumínio, poliuretano e tinta de óleo)
- em exposição no Museu Berardo Lisboa -

Ruina de Charque series «Quina» 2003
(tinta de óleo sobre madeira e poliuretano)

Azulejaria em Carne Viva series «Azulejaria Verde» 2000
(técnica mista sobre tela)
- Tate Gallery Collection -

Azulejaria em Carne Viva series «Lingua com Padrão Sinuoso» 1998
(óleo sobre tela, poliuretano sobre madeira e alumínio)

«Filho Bastardo I» 1992
(óleo sobre madeira)

«Filho Bastardo II» 1997
(óleo sobre madeira)
- em exposição no Museu Berardo Lisboa -

Ruina de Charque series «Nova Capela» 2003
(óleo sobre madeira e poliuretano)

«Mapa de Lopo Homem» 1992
(óleo sobre madeira com fio de sutura)

«Parede com Incisões a la Fontana» 2000
(óleo sobre tela, poliuretano e alumínio sobre madeira)

Azulejaria em Carne Viva series «Tapete em Carne Viva» 1999
(óleo, espuma, alumínio, madeira e tela)

«Comida» 1992
(óleo sobre tela)

Azulejaria em Carne Viva series «Untitled» 2002
(óleo sobre tela, poliuretano sobre alumínio e madeira)

«Linda do Rosário» 2004
(tinta de óleo s/ alumínio e poliuretano)
«Celacanto provoca Maremoto» 2004
(tinta de óleo e gesso s/ tela)
*
«Linda Lapa» 2004
(alumínio, poliuretano, tinta de óleo)

«Azulejões» 2001
(gesso sobre tela, tinta de óleo)
- Centro Cultural Banco do Brasil, Rio -
*
«Azulejões» (pormenor) 2001

«Carne Marinha» 1999
(tela, tinta de óleo, espuma, porcelanas)

«Cacos e Peixes» 1999
(tinta de óleo, gesso e cola sobre tela)

«Milagre dos Peixes» 1991
(gesso sobre tela, tinta de óleo)

Sauna series «Sauna Branca» 2003
(aguarela sobre papel)

«O Convidado» 2006
(óleo sobre tela)

Sauna series «Sauna Verde» 2003
(óleo sobre tela)

Sauna series «A Diva» 2004
(óleo sobre tela)

Sauna series «Sauna Azul» 2002
(aguarela sobre papel)

«O Obsessivo» 2004
(óleo sobre tela)

«O Predilecto» 2005
(óleo sobre tela)


*
Adriana Varejão é actualmente uma das artistas brasileiras mais destacadas da cena artística contemporânea, no Brasil e no exterior.
Nascida em 1964, no Rio de Janeiro, iniciou a sua carreira nos anos 80 e fez a sua primeira exposição individual em 1988, na galeria Thomas Cohn em S. Paulo, no Brasil.
Na década de 90, foi incluída em inúmeras mostras importantes e aos poucos foi revelando o amadurecimento da sua obra. Participou na Bienal de São Paulo, em 1994 e 1998 e nas Bienais de Havana em 1994, Johannesburgo em 1995 e Liverpool em 1999.
Em 2002, Adriana Varejão realizou exposições individuais na galeria Victoria Miro em Londres e na Galeria Fortes Vilaça, em São Paulo, no Brasil. Posteriormente, expôs no Museu de Arte Contemporânea, MoMA, em Nova Iorque, com a instalação “Azulejões”, e no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro. Em 2005, expôs em Paris, na Fundação Cartier, com a instalação "Câmara de Ecos" e em Lisboa, no Centro Cultural de Belém.
A sua obra reproduz elementos históricos e culturais, com temas ligados à colonização, ao barroco e à azulejaria. Investiga também a utilização do corpo humano, da visceralidade e da representação da carne como elemento estético. Apesar de remeter ao barroco, adquire forte contemporaneidade em decorrência do acúmulo excessivo de materiais, camadas de tinta e informações.

*
Crítica:
*
Partindo do seu interesse pela reprodução de elementos históricos e culturais da tradição brasileira, Adriana Varejão satisfaz o seu desejo de reconfigurar o corpo humano, através da representação da carne corporal como elemento estético. A carne humana é colocada sobre o símbolo da colonização "Azulejões" para chamar de novo a atenção sobre a atrocidade desta experiência. Os colonizadores aparecem como os carniceiros do mundo do final do século XIX. A artista “desconstrói” o corpo e a sua imagem, dando-nos a ver os fragmentos ensanguentados do corpo humano e do «corpo» social. Esta é uma clara alusão à violência que caracteriza a História social do Brasil. A violência, expressa na obra da artista, permite uma profunda reflexão sobre o sofrimento das camadas sociais no Brasil, durante o período da colonização e da escravatura.
O «corpo» social, histórico mas também individual, é colocado entre a experiência exterior na sua dimensão carnal e fugaz, e a experiência interior na procura de si próprio. A artista mostra, assim, de uma forma muito singular, os laços entre o real e o imaginário, através da dilaceração e da exposição dos corpos dos mártires da História colonial. Através do processo de reapropriação, o corpo imerge na realidade para, por sua vez, ser transposto do interior para o exterior e do exterior para o interior. Através dos sentidos, o corpo participa da realidade mesmo por meio das suas feridas, sendo definitivamente penetrado pelo mundo exterior.
A carne “barroca” mostra-se e vem descobrir sensações do exterior. A pele da pintura está nua e sem defesa, ela experiencia a vida, mas é também uma superfície passiva, exposta e, portanto, aberta ao exterior. O laço entre a interioridade e a exterioridade é conseguido a partir da ferida. A vitalidade das suas feridas demonstra uma riqueza e um dinamismo que, constantemente, evoca a memória de existências espedaçadas. O corpo mistura-se com a pintura a fim de revelar a sua própria identidade de carne ferida e martirizada. A ideia do corpo passa pela pior manifestação, através dos seus despojos, aprendendo a nunca mais sentir vergonha de si próprio. A densidade material e metafórica das feridas do corpo exprimem a densidade da memória mortificada.
*
A beleza dos quadros de Adriana Varejão contrasta fortemente com a atrocidade dos ferimentos que aí são descritos. A destruição da pintura, o efeito “trompe-l’œil”, a abundância da matéria, as instalações dos corpos desmembrados, tudo isto assalta o espectador que, perante a obra da artista, fica perturbado, perdido num espaço onde se confundem violências reais e imaginárias. O corpo mutilado e desmembrado faz assim justiça às diferenças de classes, de géneros e de etnias, tirando do sério todos os binarismos.
Todo este processo espelha uma transformação contínua, uma agressão que reflecte uma fragmentação da experiência através de um outro plano imaginário, também ele composto por sintomas, traços, sinais, percursos, incorporações.A abjecção e o desmembramento do corpo/obra transformam-se assim em metáforas da abjecção que sai do corpo real que sofreu uma violência.
Muitos dos trabalhos de Adriana Varejão fazem-nos lembrar o conceito de abjecção exprimindo-se também este barroco exacerbado no estilo formal das margens em que os motivos entrelaçados conseguem cada vez mais catalisar as nossas atenções.
*
No quadro oval "Filho Bastardo I", (a forma das pinturas ovais deriva dos painéis pintados por Leandro Joaquim para ornamentar o passeio público do Rio de Janeiro, sic.), podem ver-se, numa paisagem exótica de floresta, duas cenas de dominação, uma através do estupro de uma escrava por um padre que antes a amarra pelo pescoço a uma árvore, reduzindo-a assim à condição de animal; outra, em que duas personagens (soldados), desta vez representando não a Igreja mas o Estado, ataram os pés e as mãos de uma índia a uma árvore, parecendo-nos que se preparam para a açoitar através dos chicotes que orgulhosamente carregam sobre os seus ombros. A artista rasgou a tela no meio onde aplicou a cor vermelha criando uma superfície pastosa, por conseguinte, uma espessura.
A cena representada por Adriana Varejão, mostra-nos o poder autoritário da colonização portuguesa através da violação do corpo. A intenção da artista é a de colocar em evidência a memória da História dolorosamente ocultada. Na obra "Filho Bastardo I", o ferimento que ressalta do quadro faz reviver a ferida original de uma civilização violentada. Adriana Varejão parece exorcizar a violência do passado através da “profanação” da tela que se abre num sexo avermelhado pela violência do acto. Ela intervém nas telas do passado histórico com uma dupla intenção: subverter, quer a continuidade da história, quer a concepção de unicidade da obra de arte. A representação sangrenta da violência em "Filho Bastardo", que está na base da formação étnica da sociedade brasileira questiona o conhecimento histórico, cultural que se tem do Brasil. Consequentemente, a história parece escrever-se no sangue, no sofrimento e na violência.
A obra “Mapa de Lopo Homem” ou Caminho de Adão, um quadro oval com as mesmas dimensões que as do “Filho Bastardo”, é um mapa de Atlas Miller de 1519, do cartógrafo português Lopo Homem.
O mapa representa a continuidade geográfica entre a Ásia e a América. Aqui a artista rasgou a tela em dois locais: no meio como no anterior quadro, e no canto esquerdo da tela, que corresponde ao ponto de contacto entre a Ásia e a América; esta costura liga os dois continentes como refere Paulo Herkenhoff [1] : “O capricho cartográfico de Lopo Homem reconciliava as antigas concepções Ptolemaicas frente à descoberta da América. Reassegurava o papel bíblico de Adão como pai da humanidade”. Nesta obra, a ferida que rasga o continente africano e marca a divisão do mundo inteiro é aqui simbolizada pelo sangue que dela jorra. A artista desenha pontos de sutura sobre a costura, no meio, precisamente sobre a Europa, deixando a ferida aberta sobre o continente africano onde deixam de existir os pontos de sutura. Ainda se pode ver no quadro traços de sangue espalhados, simbolizando corpos de escravos dispersos no mar. A colonização implicava o horror da escravatura que aqui é mostrada como sofrimento universal.
**
Esta costura lembra-nos a elegância das incisões de Lúcio Fontana na sua obra artística. Enquanto representação simbólica, ela é uma cicatriz impossível de cicatrizar, a partir daquele momento. Como em Fontana, existe nos rasgões de Adriana Varejão, uma abertura em direcção a outros mundos, a outras possibilidades de interpretação. Nas obras de Lúcio Fontana “Attese”, o artista abre espaço para um novo conceito na pintura: “conceito espacial” ou espacialismo, que desenvolverá ao longo da sua carreira. Quando dá forma às suas telas, introduz o relevo e coloca a obra numa terceira dimensão. Assim o espaço do espectador e o da obra são os mesmos, permitindo abolir a distância entre o observador e a obra artística. Na interpenetração destes espaços, a matéria torna-se vital e a experiência do espectador uma viagem psicosensorial. A sua obra “Parede com Incisões a la Fontana”, evoca o artista italiano, como o próprio nome indica.
*
O trabalho em série «Ruina de Charque» joga com o volume da matéria; observamos um muro cortado assimetricamente numa superfície de azulejos que cobre uma camada espessa composta de carnes e órgãos diversos e variados. E se Fontana , através de um simples entalhe, “parte” a pintura para a transformar em escultura, Adriana Varejão transforma as suas incisões em corpos violentados e desmembrados. Existe uma diferença significativa entre os trabalhos de Fontana e de Varejão, apesar da influència do artista italiano na artista nos parecer evidente. Com efeito, se Fontana deixa abertos os seus rasgos, Varejão antevê a possibilidade de os “tratar” por meio da sutura.
«Comida», trata-se de uma tela pintada a óleo, em que o corpo de uma mulher indígena se encontra dependurado entre animais; uma galinha, um veado, um peixe e um porco, como eles, exposta à venda e à degustação. Esta imagem provocadora coloca-nos a questão do valor de mercado do ser humano e da existência do canibalismo, tanto psíquico como efectivo. Em volta, podemos ver traços de pinturas apresentando uma consistência orgânica que parecem simbolizar bocados de carne, fazendo-nos lembrar de forma explicita o destino dado à cultura autóctone brasileira “absorvida” pelos colonizadores. Aqui a prática do canibalismo da antropofagia encerra um significado cultural e político.
Parece inferir-se deste contexto estético, um forte contraste entre a alegria estranha do rosto da mulher que parece aceitar a sua situação de vitima e a brutalidade da cena.
Adriana Varejão ao fazer uso do conceito de canibalismo da antropofagia, tão central na arte moderna e contemporânea brasileira, explora a relação entre o poder de domínio do invasor e o acolhimento “de convivência pacífica” dos povos autóctones.
*
As obras “Figura de Convite I” e “Figura de Convite II” são dois exemplos inspirados na arte colonial do período barroco. Os quadros remetem-nos para duas gravuras do artista holandês Theodor de Bry. Aqui, uma vez mais, a artista recorre à reutilização de um material histórico e à subtracção da sua imagem para fins militantes.
Recorrendo, como habitualmente, à utilisação dos azulejos, a artista mostra a figura da América, uma mulher com um sorriso malicioso e afável, representada nua e abrindo os braços. Esta figura feminina faz um gesto de acolhimento ao novo mundo, imediatamente contraditado ou justificado pela cena apresentada em segundo plano, onde se pode ver a representação de uma «festa» de canibais, em que os indígenas depois de terem capturado os invasores europeus, os comem, cozinhados ou crus, sendo o acto acompanhado de uma dança jubilosa.
Nesta obra, a bela figura branca feminina que representa a América, faz alusão à tirania do colonialismo que acumulou riquezas graças à exploração de seres humanos e ao racismo. A artista tira a máscara do colonisador, revelando as injustiças implícitas a que a tirania colonial deu lugar. Na segunda obra, ao estilo da figura mítica de Holoferne, a mulher dá as boas vindas, não já de uma forma tão afável, como se pode ver pela cabeça decapitada de mulher que segura na sua mão direita, em sinal de vitória. A imagem de fundo que apresenta cerâmicas que parecem fazer parte de um cenário doméstico, na realidade são ilustrações de cenários mais dramáticos, tratando-se de oferendas prometidas a divindades.
A voz de Adriana Varejão eleva-se alto e forte; como o estrondo de um trovão que sacode o mundo com o fim de reivindicar a existência das diferenças e conquistar um lugar, não no centro, mas nas extremidades, onde a subjectividade é móvel e capaz de se libertar de todas as convenções sociais.
«Fragments de Corps», Nuevo Mundo / Mundos Nuevos
(traduzido por Fernanda Valente)
*
*
[1] Paulo Herkenhoff, critico de arte brasileiro e autor do texto do catálogo Adriana Varejão, Pintura/Sutura, Painting/Suturing, Galeria Fortes Vilaça, S. Paulo, 1996.
*
*
* * *
*
*
The fine color gradations that enliven the apparent chromatic uniformity of Adriana Varejao's Ruina de charque-Portugal (Jerked-beef ruin--Portugal) all works 2001, or the delicate mesh that furrows its surface, might seem to evoke the traditions of Minimalist or monochrome painting. It is thus tempting to discuss the Brazilian artist's work in terms of the history of modernism and the possible significance of its survival. A more attentive look, however, shows us that this not a strict exercise in abstract painting but rather the representation of a surfce clad in tiles. The painting, when it becomes a duplicate of the wall (or of the floor, as we see in another work in the series, Ruina de charque--Porto), creates a direct confrontation with the space that houses it and raises architectural issues, becoming something more like an installation.
In her recent exhibitions "Azuleja" (Big tile) in Rio de Janeiro and "Azule" (Big tiles) in São Paulo, Varejão lined gallery walls with canvases that functioned as enlargements of the panels a tiled wall. Their motifs were variations on those of traditional Portuguese tile work, which had considerable architectural and religious importance in the of the colonization of Brazil. In effect artist made anew wall and a new space inside the gallery. The same thing happened here with Parede (Wall), in which eighteen superimposed canvases of varing sizes gave the illusion of a simple dimensional painting on one flat support, thus playing with the function of the in an even more complex manner.

In Jerked-Beef Ruin--Portugal the lined space that Varejão's painting evokes is not a virtual space, neutral, separate the world. It brings to mind concrete situations: a butcher shop, a bar, a kitchen, a bathroom, or a hospital; social space, domestic space, intimate space--space in which the body must be contained protected, just as tiles protect a wall, which in turn defines the structure of a building. The objective would be to keep the body under cover, but Varejao suggests that it is impossible to hide the body. The lateral edge of the painted surfaces takes the of a large mass of meat that overflow limits of the painting, squashed between the front surface of the painting and wall or floor. The work emerges as an immense, monstrous sandwich of meat between two walls, one real, the off painted. The extraordinary presence of this mass of meat is the real point of works, the moment when our astonnishment and our excitement are registered, an intersection of scandal and fascin What is this meat? Where does it com, and from what is it doing here?

"Charque", according to the dictionary, means "a large slab of meat, salted, and sun-dried." Meat is the flesh of a body. Varejão's works, reference to stereotypes representations of the body often takes the form of a deconstruction of colonialist representations of subjugated peoples. In that sense, the meat is also, at a metaphorical level, the flesh of a spec social community: the subjugated populations of colonial and contemporary Brazil, in whose cultural forms bodily expression plays a prominent role (e.g., dance, music, Carnival). The presence of flesh thus becomes the expression of breadth of a history that can no longer be ignored, as well as of the irreducibility of personal experience.
Alexandre Melo, Artforum International

sexta-feira, dezembro 21

João Pedro Vale, Lisboa / Portugal - arte contemporânea, neo-conceptualismo

«A culpa não é minha» 2003, escultura
Árvore da morfologia da "Moraceae Ficus Aurea"
(estrutura de ferro coberta com diferentes cordas)
*
«Não há fim para o caminho» Bonfim, 2004, instalação
(barco de madeira, ferro, fitas de tafetá)
*
Bonfim, 2004 (detalhe)

«Quanta rariora tanta meliora» Narval, 2006, escultura
(fio de algodão, peruca, pérolas várias)

«I have a dream» 2002, instalação
(ferro, tecido, balões, cordas, botijas de gás, cobertor)

«Cavalos» 2006, escultura
(tecido, feltro, espuma, fio de algodão, lã)

«Please don't go» 1999, instalação
(carpete, 3500 gomas de morando)

«Can I wash you?» 1999, escultura
(90 barras de sabão)

«No entanto ela move-se» Mazagão, 2007, escultura
(sal, ferro, esferovite)

Barco Negro, 2004, instalação
(barco de madeira, ferro, objectos plásticos, cera, fitas de cetim,
cordas, borrachas, moedas, rede, pneu, roupa, sapatos)
*

«Medusa» 2004, instalação
(fibras de vidro, câmaras de ar, cobras de borracha, cordas, roupas)
*

«Heróis do Mar» 2004, escultura
(ferro, areia)

«Fortune» 2006, escultura, mixed media

«Placa e Insígnia» 2005, escultura
(arame, cartolina, papéis coloridos invólucros de confeitos)

«Quanta rariora tanta meliora» Bezoar, 2006, escultura
(ferro, peruca, tampinhas de garrafas de cerveja "Sagres")

«Ecce Homo» 2006, escultura
(espuma de poliuretano, cola, plástico, couro, peruca,
espanador, pingentes, alfinetes, ponta de guarda-chuva)
*
«Primus inter pares» 2006, escultura
(ferro, espuma, meia-calça feminina, tecido, pérolas)
*
«Barometz» Suelly Cadillac, 2006, escultura
(esferovite, ferro, tecidos, franjas de xaile, cola, cascas de caracóis)

«Feijoeiro» 2004, escultura
(meia-calça feminina, tecido, ferro, arame, esferovite)

«Albarrada» 2006, escultura
(prato de madeira, maços de cigarro "Português Suave"

«Foi bonita a festa, pá» 2006, instalação
(jangada de madeira, cravos de plástico, tampinhas
e garrafas de cerveja "Sagres")
*
«Foi bonita a festa, pá» 2006 (detalhe)

«O Nazareno» 2007, c-print

«Mão» 2007, c-print
*
*
João Pedro Vale nasceu no ano de 1976 em Lisboa, e é um dos artistas plásticos mais conceituados, no âmbito das novas tendências artísticas da arte contemporânea portuguesa. É licenciado em escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Tem apresentado diversas exposições individuais e participado em exposições colectivas, tanto em Portugal como no estrangeiro. As suas peças fazem parte do espólio das mais prestigiadas colecções nacionais de arte contemporânea.
Neste momento, as suas obras estão representadas na exposição «Portugal Agora» no museu de arte moderna MUDAM no Luxemburgo.
A obra de João Pedro Vale é um constante “questionar da forma, do significado e das referências de um universo conhecido historicamente, mas subvertido pelo hábil e transgressivo uso da imaginação e dos materiais aplicados.” Insere-se igualmente no movimento artístico designado de «neo-barroco» que vai buscar as suas raízes ao movimento barroco iniciado em Roma durante o século 17, expondo o contraste social através da unificação de corpo e alma, como o erudito e o popular.
Numa das suas últimas exposições, em S.Paulo no Brasil, João Pedro Vale apresentou uma instalação intitulada “Foi bonita a festa, pá”, expressão retirada da primeira estrofe da letra da canção de Chico Buarque, “Tanto Mar”. Esta canção exprime os sentimentos gerados pela “Revolução dos Cravos” em Portugal, que deu lugar à transição pacífica do regime ditatorial para a democracia. Esta obra de João Pedro Vale mostra uma jangada (um barco usado pelos pescadores do nordeste brasileiro) construída naquela região expressamente para a exposição, coberta de tampas e de garrafas de cerveja da marca “Sagres”, nome associado à ideia da existência de um centro de arte náutica em Sagres, a Escola de Sagres, pressupostamente fundada pelo infante D. Henrique, que teria formado os grandes descobridores portugueses. “É como se o barco e as suas memórias tivessem sido esquecidas no fundo do oceano, cobertos das tampas das garrafas”, explica o artista.
*
Crítica:
*
No percurso de João Pedro Vale, algumas obras são exemplares da sua capacidade de articular e conjugar referências a práticas humanas e iconográficas, dispondo com inventiva de materiais e problemáticas de aparência diversa. I Have a Dream é uma obra composta, numa das apresentações, em duas partes . O balão (com o cesto, as cordas, os apetrechos) e um mapa. Esta obra com uma proposta política determinada e objectiva, apresenta simultaneamente algumas questões relacionadas com a escultura. A escala da obra é aparentemente monumental, o volume é imenso mas a aproximação é reveladora de uma proporção à escala humana. De certa forma o balão imenso (ideal, real ou sonhado) que agregámos à nossa memória histórica e livresca transportava-nos para um sonho, imediatamente decapitado ante a visão tridimensional deste artefacto aeronáutico mutilado, caído pelo chão. Caído do céu? Caído à nossa frente no espaço em que nos encontramos. Como se fosse possível demonstrar que os sonhos perdidos (ou traídos) podem ter uma forma terrena e que inesperadamente não é apenas um sonho perdido que lamentamos mas que essa possibilidade se encontra frustrada perante nós. Na metáfora desta obra o desencanto não se restringe somente à falácia do sonho e da liberdade, existe uma outra alteração visível na forma como a obra é construída e fabricada pelo artista. É um teste à capacidade de entendimento do espectador. É um pouco mais do que um jogo. É uma proposta dissimulada que só a aproximação à obra pode desvelar a diferença entre as proporções da escala monumental e da escala quase doméstica e dominável. A forma está lá, mas a proximidade que permite descobrir o detalhe revela opções que enunciam a diferença na sua manufactura. Parece apenas uma brincadeira. Mas muito séria. Por outro lado a obra está ancorada pelo mapa que nos dirige para um percurso, em que somos expostos a um confronto com a nossa posição ética frente a uma declaração de violência contra a homossexualidade, colorido na mesma cor do balão. Cor de rosa. O balão embora aparentemente inerte e quase vazio, repousa como um ser enorme passível de desejo em estertor de morte, e traz consigo toda a inércia ficcional que o precipita no nosso lago íntimo da fantasia e do mistério. Detêm-nos referências ao mundo mágico e fantasioso de Walt Disney e do castelo da bela adormecida mas em morte latente. Ou a tentativa de ser puxado pelos ares por um balão de ar quente que Reinaldo Arenas perseguiu na sua rota imaginária que o levaria de Cuba para a liberdade. Em diversas situações João Pedro Vale tem vindo a construir obras que nos permitem colher, como folhas de um feijoeiro, diversas chaves de um universo fantástico e profundamente humano. Tal como o balão, na obra Bonfim, a nave (não me atrevo a chamar-lhe barco ou navio) flutua na suspensão da esperança dual de um caminho de infinita liberdade que não traz consigo o porto de chegada, o fim que é atirado para o infinito quando se lê nas fitas Não há fim para o caminho . Há uma oposição aparente e por vezes equívoca no tratamento e apropriação dos materiais, mas consciente e manipuladora das suas significações que se abre como o delta de um rio onde não se vislumbra a saída, mas onde dificilmente reconhecemos margens seguras. (...)
João Silvério,
Galeria Leme, S. Paulo, Brasil
*
* * *
*
Exhibited as part of the group show "Neobarroco" in Sao Paulo along with works by Camila Sposati and Friederike Feldmann, the most recent large-scale sculpture by the Portuguese artist Joao Pedro Vale, Foi bonita a festa, pa (The Party Was Beautiful, Yes), 2006, was constructed from a jangada, a balsa raft from the northeast of Brazil. This craft seems particularly appropriate to its situation in this gallery, the work of Paulo Mendes da Rocha (winner of this year's Pritzker Prize), who has created a long, narrow, very high nave, much like an overturned boat.
Let us examine the metamorphoses and dislocations that Vale has performed on this raft (instead of the caravel of his colonialist ancestors) with which, as a Portuguese, he arrives today in Brazil. Vale painted the boat red, generating maximum contrast with the browns and golden yellows of its decorations: empty beer bottles and their caps. The red and gold recall, above all else, the Catholic Baroque theatricality that marks the Portuguese heritage in Brazil, and recall as well the red flags that played a major role in Portugal's democratic revolution of 1974. The so-called Carnation Revolution is further evoked here by an arch of red plastic carnations that extends along the boat like the arches that typically decorate popular celebrations. The evocation of popular conviviality finds its most striking expression in the use of bottle caps from Sagres beer as if they were ornamental jewels. Sagres is the name of a town in southern Portugal, the site of the school where many fifteenth-century navigators were trained. The play between the "rich" effects of color and light and "poor" materials, between luxury and kitsch, is part of the dialectical play of contradictions that characterize this sculpture and the whole of Vale's work.
A similar formal and symbolic dislocation using objects related to colonial expansion is evident in a set of thirteen smaller sculptures Vale presented in Vienna. Here the references were to objects in cabinets of curiosities such as that of Emperor Maximilian II, housed today in the Kunsthistorisches Museum in Vienna. A product of the anthropological curiosity and the fantasies associated with colonial exploitation, these objects were intended to illustrate the exoticism of distant lands, supposedly inhabited by strange beings like the unicorn (whose horn turns out to be a narwhal's) or the "wild man" (an African slave covered in goatskins)--this cruel invention being the reference in one of the most successful pieces in the Vienna exhibition, Ecce Homo, 2006. The shape of a trophy cup transforms itself into an exotic body, made with glue from a glue gun, a wig balanced on the inverted horns of a Viking carnival helmet lined with leather and gilded tacks, and the tip of an umbrella. A necklace of mock-tortoise pendants and a duster made of Chinese rooster feathers complete the assemblage.
Vale appropriates and metamorphoses preexisting objects, using both ordinary and uncommon materials to sabotage the distinction between beauty and horror, naivete and sophistication. Popular forms of creativity are placed in the service of an analysis of colonialist fantasies; demystification of the fictions of domination opens the path to a hybrid multiplicity of egalitarian possibilities for plastic and symbolic interplay.
Alexandre Melo, ArtForum, Oct, 2006
(translated by Clifford E. Landers)