segunda-feira, dezembro 3

Pedro Figueiredo, Guarda / Portugal - Escultor


Eterno Feminino III, 2007, resina de poliéster

Com ou sem explicações ou razões de ser no inumano, desumano ou humano, certo é que a escultura contemporânea não representa os filhos de Adão e Eva, nem masculinos nem femininos, se não em academismos, amadorismo, ou excepção. Já não se figura o homem para viver eternamente... nem para dominar infinitamente o mundo terreno. Já lá vai o tempo em que a idealidade helénica procurava esculpir o mais perfeito corpo para ser Deus ou herói, mas sempre modelo.
*
*
Fragmento Ausente II, 2005, resina de poliéster

Enterrado sob os escombros do Império Romano ficou a magia, ficou o poder da estátua conferiu o domínio imperial ou a nobreza ao retratado. Soterrados nas ruínas jazeram os retratos onde o naturalismo ( agora realista) conseguia deveras identificar a individualidade... (Que emocionante eloquência a de um patrício com bustos de antepassados, um em cada não!). Renascimento é ressurreição do corpo – a alma não morre.
*

*
Às Avós, 2005, resina de poliester

Da quietude, serenidade, harmonia, equilíbrio do corpo partiu-se em busca da visualização da inquietude, do movimento, do desequilíbrio, da dinâmica da alma. Partindo-se da naturalista representação do corpo (visível), vai-se procurar tornar visível a (invisível) alma, fazer presente a abstracção, tornar apreensível, experienciável empírico, sensorial o espaço-tempo, já não insatisfatoriamente apenas inteligível, não apenas ideia a priori.
*

*
A Linha, 2006, resina de poliéster

Lembro o pertinente pensamento de Paul Klee: “A arte não representa o visível, torna visível”. Se belo é o prazer estético, prazer provocado por um sentido superior (vista ou ouvido) sem desejo, então a arte passará a ser deveras ( intransitivamente, claro) fruída (e não transitivamente usufruída) depois de Kant...



Retrato II, 2005, resina de poliéster

Fará, assim, sentido uma escultura sem utilidade, sem servilismo, sem importância, sem erotismo (do corpo, da animalidade)... Os sentidos nobres, se efectivamente superiores, e se de facto libertos de desejo, não funcionam condicionados, orientados, dirigidos, comandados, pelas necessidades naturais, do mundo fisiológico, pela fome e sede da animalidade... Não, são janelas da racionalidade, portas de um mundo – outro, pressentido, imaginado, intuído, não excluído pela inteligibilidade.
*

*
Eterno Feminino III, 2007, resina de poliéster

Libertos das correntes da sobrevivência, tudo é intransitivo, tudo é autotélico, tudo é vivido em clímax: entra-se num casamento místico, anunciado nas Bodas de Canã, vive-se um erotismo puramente da alma, da vontade, da liberdade, goza-se o Paraíso num Tabor desmaterializado, feito luz, feito Forma, comungam-se êxtases nem sequer sonhados, vê-se a sacralizada Fonte de Duchamp no que os prisioneiros da sobrevivência vêem um banalíssimo urinol.


*
Cavalo Preso, 2006, resina de poliéster

É deste mundo – outro que se vem tentando visualização e visibilidade. Entendendo-se facilmente, na escultura, a evolução do figurativo ao abstracto, torna-se previsível, se não óbvia, a não representação do corpo do homem, perseguindo-se-lhe, sim, a alma, a desocultação do ainda não visível no mundo dos corpos – sombras.
*
*

*
Grécia alada I, 2007, resina de poliéster
*
... A escultura continua, porém, serviçal, útil a outras vidas que não à sua (porque não à da Arte), não tendo contado, ao contrario da pintura, com um Courbet que fizesse aparecer “Estúdio do Escultor”...
... Mas apareceu Rodin e a “Porta do Inferno”, coroada pelas “Três sombras” – lembrando-nos, respectivamente “As Portas do Paraíso” e a “Alegoria da Caverna” dando luz às “Três Graças”.
*

*
Chegada I, 2006, resina de poliéster

E, talvez não por acaso (?), é esta a mais necessária das portas a transpor... para entrar(mos) na(s) obra(s) de Pedro Figueiredo (a quem sugiro e peço a criação da(s) Porta(s) da Terra”). Não nos iludamos, trata-se de escultura não convencionalmente representativa, sem os antigos referentes, modelos ou motivos. E só não digo que não é figurativa, porque não há apenas figuras representativas mas também apresentativas, incluindo as geométricas, incluindo as da formatividade, incluindo as da criação... para além das do criado.
*
*
*
Cabeça sem Fim I, 2006, resina de poliéster
*
São ensaios de meta-escultura.
É o esculpir em si, na sua intrinsecidade, o fazer-comunicar-fruir em valiosa autotelia. É a excelência do fazer estético documentado em plenitude, no efeito, na plurívoca eloquência dos registos (dos “regestos”, perdoem-me o estratégico erro). No útil (e mais acentuadamente no utilitário e ainda mais no utensílio) só importa a causa final.


*
Chegada II, 2006, resina de poliéster

Mas na obra estética, na forma poética o valor está na heterogeneidade, na globalidade do “faber” onde nada é insignificante: alem e acima da representação, a gestualidade, a matericidade e a formatividade, empaticamente na escultura em que a causa final é o esculpir.
*


Infinito, 2006, resina de poliéster

*
*
*
Retrato III, 2005, resina de poliéster

*
**

Miragem I, 2007, resina de poliéster

*
Disse – e reafirmo – que as peças de Figueiredo não são convencionalmente figurativas. Mas, à evidencia, muito menos são abstractas... e ainda menos rotuláveis de conceptuais. A arte conceptual privilegia a concepção em detrimento, sobretudo, da execução. Ora, é, antes de mais, a eloquência do fazer que nos convida à comunhão do prazer estético.



«Antes do Céu» series, 2006, resina de poliéster

Pelo menos, muito notoriamente, no acto livre, voluntário, criativo de Pedro Figueiredo, concepção, deliberação, decisão, e execução fundem-se na verdadeira simultaneidade do gesto formante. As suas criações lembram(-me) Rodin... mas também Renoir, Degas... Seurat e Van Gogh... e Matisse... mais ainda Giacometti e Calder... e, ainda mais fortemente, Brancusi... e a “Alegoria da Caverna”...


*
Terra I, 2007, resina de poliéster

Para Platão, como sabemos, há três camas, em hierarquia descendente: a Ideia de cama, criada por Deus, sendo no homem necessidade, parte da animalidade; a cama feita pelo marceneiro, mera sombra da Ideia (mas utilizável não só para dormir...); e a imagem de cama – pintada, que não considera a esculpida pelo artista- sombra da sombra, no seu parecer.
*


«Antes do Céu» series, 2006, resina de poliéster

E em boa verdade, se é rigorosa e exclusivamente o conceito (o significado) ou analogia no mais alto grau, então tem razão. Só que... Não se deve confundir sobrevivência e vida e, menos ainda, reduzir o Homem à animalidade. “A minha cama é outra” – dirá o Esteta, mesmo lembrando-se do “primum vivere...”.
*

*
Durante I, 2007, resina de poliéster

Na linha de Platão, haveria correspondentemente à cama, três tipos de homem: a Ideia de Homem, criado por Deus (anterior ou posterior ao pecado original?); o homem concreto, por exemplo, Platão (sombra do Adão antes de colher o fruto do conhecimento?); e o homem pintado ou esculpido (imagem de Platão continuando o exemplo, sombra da sombra?).A questão está aqui. Deverá mais a arte à sombra do homem ou o homem à arte?
*


Entre Nós, 2005, resina de poliéster

“A arte é o homem” – dir(-me-)ão, recebendo (a minha) total concordância. A arte é precisamente o homem mas no fabricar não determinado nem condicionado pelo mundo natural. É o acto plenamente voluntário de comunicar, de produzir objectos sem utilidade, sem transitividade, sem adiamento... mas autotélicos, com função, portanto.


*
Sentido Único II, 2007, resina de poliéster

Se belo é o que dá prazer pelos sentidos superiores limpos ou depurados de desejo, então uns olhos-outros são convenientes, são mesmo precisos para a apreciação da escultura, nomeada e particularmente de Pedro Figueiredo. A ideia (de Platão), Brancusi materializou-a, apresentou-a como forma, tendo passado as sombras a Ideia. É ainda ou já o ovo, mesmo quando já ou ainda parece peixe, pássaro, cabeça...
*

*
Vertical I, 2006, resina de poliéster

Para Figueiredo, a Ideia é a Escultura em si, ela mesma, intransitiva, em asidade... propondo uma outra “alegoria da caverna” ou a alegoria de uma caverna-outra, desafiando-nos a desembrulhar as esculturas-sombras. Veremos então metáforas que utilizam o corpo humano. Não é o representado em perspectiva maneirista, são os grandes pés (e as grandes mãos) eventualmente da própria Escultura – ela mesma, bem assente no chão mas voando, fugindo à (lei da) gravidade.
*

*
Ponte I, 2006, resina de poliéster

São incontáveis gestículos-beijos, expressão e formatividade em gesto unificado, etimológica e semanticamente caligráfico. São estátuas que revelam um olhar de olhos posicionados ao nível do chão em hiperbólica perspectiva. Realisticamente coladas à terra de que foram criadas, têm naturalmente base, (em metafórica prosopopeia) pés. Pés (ou mãos) enormes, se em primeiro plano na tal hiperbólica perspectiva, não pertencem à figura humana mas Sim à Arte ganhando corpo, manifestando-se, tornando-se visível.
*

*
Equilíbrio, 2005, resina de poliéster

*


O Ovo, 2004, resina de poliéster

Pedro Figueiredo apenas esculpe. Descubro que, afinal, “esculpir” pode ser rigorosamente um verbo intransitivo. Não menos que Miguel Ângelo, Marcel Duchamp tem razão: Tire-se o que está a mais (matéria, indigestão, fastio, ou desejo...) e veremos a Fonte. É a alma da escultura.
Armando Azevedo
*

* * *
*
*
Sobre a exposição no Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz:
*
A exposição de escultura de Pedro Figueiredo ‘transbordou’ da Sala Zé Penicheiro, no Centro de Artes e Espectáculos (CAE), e encheu de vida o seu jardim interior e os corredores que o ladeiam. A mostra terminou no último domingo, mas a arte do escultor de 32 anos, natural da Guarda, deverá em breve regressar ao CAE, materializada numa peça que o artista se encontra já a conceber, a pedido da administração daquele espaço. Em conversa com O Figueirense, Pedro Figueiredo falou das suas criações, e foi esculpindo a sua visão da arte.
Nasceu em 1974, na cidade da Guarda. Academicamente, o seu percurso na arte começou com o curso profissional de Cerâmica na Escola Artística de Coimbra (ARCA), instituição onde viria a licenciar-se em Escultura e onde, actualmente, frequenta o mestrado de Comunicação Estética, ao mesmo tempo que aí lecciona a disciplina de Desenho e é assistente na de Escultura. Exposições, entre colectivas e individuais, já fez dezenas. Na do CAE, sublinha, foi “muito bem tratado”. As peças menores, na Sala Zé Penicheiro, revelam a sua visão da arte, que se amplia nas esculturas maiores: “Arte e natureza não se identificam, a arte dá liberdade, não tem as limitações físicas da natureza”, afirma.
*
Pés grandes
*
Formas que se alongam elegantes e se ‘prendem’ ao chão, ao real, em pés ou mãos de enormes dimensões. É esta a ‘imagem’ de marca de Pedro Figueiredo. Seduzem-no também os rostos. Que, realça, não são os de ninguém em particular, mas o de conceitos, sentimentos, emoções. Simplificar é a palavra de ordem, ou não fosse esta exposição – originalmente criada para o Teatro Municipal da Guarda, baptizada de “Geração em Linha”. Assim, linhas simples, peças que representam seres não humanos, não-animais, porque são arte e é como tal que o escultor pretende que as suas obras ‘falem’ com o público. Admirador de Jacometti e Rui Chaves, entre outros, admite também gostar de escrever, ainda que na maioria das vezes as suas letras acabem ‘na gaveta’. Algumas das suas obras têm, aliás, o mesmo destino. “A arte é feita para dar prazer, é outra forma de nos alimentarmos, é quase uma promessa de felicidade”, explica. Por isso, quando a sua criação não cumpre a promessa do criador não hesita em guardá-la para si. Para sempre ou para mais tarde porque, considera, “uma obra de arte só está acabada quando fala connosco, e pode estar acabada para uma pessoa e não estar para outra”. Assim, Pedro Figueiredo não teme errar, não desconhece o erro, antes o capitaliza para o constante processo da (sua) evolução artística. "A obra perfeita é inatingível", afirma. E, assume, não pretende atingi-la, porque depois viria o vazio. Dedica-se a cada obra, desde a concepção mental à construção material, cerca de um mês, ou mais. Nem tudo é inteligível, defende. O subconsciente também tem o seu papel na criação, e o próprio material fala, reivindica, sugere caminhos. O escultor escuta-os, e segue-os. Depois aguarda a crítica, que não tem o condão de o incomodar, ao contrário do não-conhecimento. “Se alguém me diz ‘vi, mas não gostei’ não me incomodo. Mas se alguém esteve junto à escultura e não deu por ela, é porque não cumpriu o seu papel, não logrou tocar. Ver é tocar ao longe”, conclui.
*
O desencanto das explicações
*
O que o incomoda, também é a tentativa de identificar a arte com o real. “Peço que não o façam”, revela Pedro Figueiredo. Irritam-no os comentários de que “os cavalos não podem estar naquela posição”, de que o corpo humano não tem aquelas proporções. “Aqueles não são os cavalos da natureza, os seres humanos da natureza… são os meus cavalos, as minhas figuras humanas”, desabafa. Por tudo is-to opta por limitar ao mínimo as explicações sobre as peças, dando-lhes títulos ambíguos. “Os títulos são importantes, não devem iludir as pessoas. Mas demasiadas explicações podem criar desencanto no público. Alguém olha para o meu cavalo e vê nele uma girafa? Pois bem, é a sua girafa”, sustenta. E o que é uma boa escultura? "É a que perdura no tempo, a que é interessante hoje e que continuará a sê-lo daqui a um século. É o contrário da moda, que nos faz olhar para uma fotografia dos anos 80 e pensar ‘mas como é que eu pude vestir isto?" Uma boa escultura é intemporal, avança no tempo mas o tempo não passa por ela e nem a arte, que está sempre a mudar, afecta a percepção que temos da sua beleza”, conclui.

1 comentário:

Membirart disse...

Esse blog esta fenomenal, sinto privilegiado por poder partilhar essa maravilha visual, se puderem visitem o membirarte.blogspot.com. Membir from Moz