domingo, fevereiro 10

Michael Burges, Düsseldorf / Alemanha - pintura abstracta contemporânea

Reverse Glass Paintings series «No. 1» 2007
acrylic paint on plexiglass
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Reverse Glass Paintings series «No. 2» 2007
acrylic paint on plexiglass

Reverse Glass Paintings series «No. 3» 2007
acrylic paint on plexiglass

Reverse Glass Paintings series «No. 4» 2007
acrylic paint on plexiglass

Reverse Glass Paintings series «No. 5» 2007
acrylic paint on plexiglass

Reverse Glass Paintings series «No. 7» 2007
acrylic paint on plexiglass

Reverse Glass Paintings series «No. 11» 2007
acrylic paint on plexiglass

Reverse Glass Paintings series «No. 15» 2007
acrylic paint on plexiglass

Reverse Glass Paintings series « No. 16» 2007
acrylic paint on plexiglass

Reverse Glass Paintings series «No. 18» 2007
acrylic paint on plexiglass

Reverse Glass Paintings series «No. 19» 2007
acrylic paint on plexiglass

Reverse Glass Paintings series «No. 20» 2007
acrylic paint on plexiglass
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Desde os tempos mais remotos que sempre foi um dos principais objectivos da pintura o de transcender o plano do figurativo, e atingir uma autonomia pictórica acima e para além da imagem. Criar um espaço capaz de abrir as portas a uma outra dimensão, a um mundo para além da cor, da técnica e da temática. O carácter bidimensional da pintura pode ser reconhecido e alvo da crítica, mas pode também ser visto como um obstáculo. Só depois de vencido esse obstáculo é que uma obra de arte pode existir na mente de quem a observa.
Um antigo método a tentar atingir esse objectivo foi a “perspectiva artificial”, a invenção do espaço pictórico. Cedo se concluiu que uma paisagem só dá a impressão de ser uma paisagem quando é configurada e corresponde aos critérios do sistema da percepção humana, os “princípios básicos” da apreensão visual – uma das pré-condições básicas da pintura.
Outro dos procedimentos com vista a transcender o figurativo foi o uso da cor. Isto conduziu à utilização de métodos tão profundamente abstractos e sensuais como no caso dos fundos dourados na pintura da Idade Média, em que a cor simbolizava a luz no plano do transcendental, ou – mesmo atingindo maior significado em posteriores desenvolvimentos - .
A cor é conhecida não por ser uma característica do objecto (como, por exemplo, a forma), mas meramente como uma aparência visual dependente da superfície estruturante do objecto, em que reflecte uma certa parte do espectro da luminosidade. A cor também é condicionada pelo nosso sistema de percepção. Por exemplo, o ser humano não consegue ver a luz ultravioleta, mas as abelhas sim.
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O conceito de “luminiscência transcendental”, como é conhecido através de “A Ressurreição” de Grünewald, vem de Wolfgang Schöne (no seu “Über das Licht in der Malerei” – sobre a luz na pintura): cores luminosas que não representam a luz física na pintura, mas transcendência.
Na medida em que este conceito possa ter funcionado, a imagem foi sempre determinada pela superfície em que foi pintada. Evidenciava a técnica, um certo “estilo” e permitia rápido acesso ao observador. O próximo passo só teve lugar após a Era Barroca, em que elementos esculturais, por exemplo a perna de um anjo, eram movimentados na perspectiva bidimensional da pintura. Mas esta espécie de transcendência, embora tornando impossível precisar as localizações exactas do sujeito – pelo menos nas margens – não conseguia dissociar a imagem pintada da esfera do aparente plano físico. Para ter a certeza, com este desenvolvimento tornava-se impossível dizer a partir da posição desejada, exactamente onde três dimensões se transformavam em duas. No entanto, nunca se desprendendo da ilusão pintada.
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Nos tempos modernos, foram feitas muitas tentativas para dar a este conceito uma dimensão mais alargada. A Op Art jogou com interferências e contrastes. Barnett Newman enleava o espectador com grandes superfícies monocromáticas. Julio Le Parc, Dan Flavin e muitos outros, jogavam com luz verdadeira. No entanto, e por mais que as várias correntes artísticas tenham tentado atingir o plano do “superficial” ou transcendental, o objecto pictórico sempre se definiu como uma imagem acessível, definível e, por último, “háptica” – ou táctil.
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Com os novos trabalhos de Michael Burges, tudo mudou. Após o início da sua carreira com as instalações e as estruturas informais, Burges desenvolveu uma forma de pintar abstracta, focalizando-se física, formal e conceptualmente na sua ideia de um “espaço virtual” pintado.
O método utilizado por este artista, nascido em Düsseldorf em 1954, é o de colocar o seu trabalho num compartimento no qual não pode ser realmente visto, mas unicamente recriado na mente do espectador como uma “imagem” imaginária.
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Abre-se aqui caminho a uma nova dimensão na pintura, em que a pintura é efectivamente transcendida, renunciando ao seu espaço físico por determinação da capacidade de percepção do espectador. Agora a pintura deambula até àquele lugar onde a imagem se transforma verdadeiramente numa imagem: a mente do espectador. Do ponto de vista conceptual, o factor decisivo é o de que a imagem que é vista pode ser percepcionada, mas não localizada. Flutua livremente no espaço, e transforma-se à medida que o espectador se movimenta. Ninguém consegue dizer onde ela realmente se encontra, para além do efeito que exerce sobre a mente do espectador.
A transformação da imagem com o movimento do espectador também implica uma multi-dimensionalidade – resultante das reflexões e interferências – que não é possível conseguir ou mesmo tentar conseguir em obras em que a tinta é aplicada a uma base convencional. Mas aqui, as variações que contam com o movimento do espectador são inteiramente intencionais.
Resulta, deste modo, um complexo produto o qual corresponde à complexidade das reacções emocionais do espectador, reflectindo-as esteticamente.
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Decisivo é o facto de o transcender da pintura acontecer através do acto criativo. Michael Burges introduz também um elemento técnico: um disco difusor (filtro). Contrastando com Stephan Kaluza cujo objectivo é atingir um determinado efeito, elevando o sujeito concreto ao nível geral através da aplicação de um disco (filtro) escurecido frente às suas pinturas, algo de inteiramente novo sucede com o disco difusor na obra de Burges. O processo que confere às imagens pintadas propriedade física é totalmente ultrapassado; a imagem flutua livremente na sala, transforma-se à medida que o espectador se move e torna-se inteiramente ilocalizável. Isto acontece sobretudo porque o que é representado não está nunca presente no “original”. É isto que o diferencia de Christa Winter.
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O espectador não tem acesso à pintura sem a destruir. Ele vê-se a ele próprio rejeitado e tem que, esteticamente falando, viver com o facto de que as imagens resultantes do processo criativo se renovam continuamente na sua própria mente. Nesse sentido, essas imagens transformam-se em experiências transcendentais, uma vez que, horribile dictu, tudo o que restou da tradição desapareceu: a assinatura do artista, a técnica e a textura. No seu lugar, está a habilidade e a vontade do espectador em apreender, o que nos remete, por sua vez, para os princípios básicos da percepção visual.
Porque o espectador está perante uma imagem não-háptica, contrariando toda a história da arte, ele é radicalmente excluído do espaço ocupado pela pintura, que se torna virtual. Existe, mas não está “lá”. E se estiver presente, só estará de uma forma não acessível.
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O que Michael Burges tenta fazer com o seu trabalho é a sistemática busca de sentido da “ciência da pintura”. Por um lado, ele abre mão de motivações subjectivas como expressão de um sujeito que – independentemente da forma - está em sofrimento. Por outro lado, ele investiga, sistematicamente, a essência da imagem, a sua função interna e externa, os efeitos que pode produzir e o modo como se relaciona com os nossos poderes de percepção. Todas as pinturas de Burges, mesmo os primeiros trabalhos, traduzem tentativas no sentido de nos tornar conscientes das características do pensamento e da percepção, e, por fim, do nosso conhecimento do mundo.
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Isto ocorre com renovado vigor nos seus quadros da série “Virtual Space”, uma vez que é vedado ao espectador o acesso físico às pinturas. Assim como o físico quântico não pode simultaneamente determinar a velocidade da partícula e a sua localização, também o espectador que observa os recentes trabalhos de Michael Burges só se pode aperceber de um aspecto, um de uma série de estados possíveis.
Porque os quadros da série “Virtual Space” são, do ponto de vista conceptual, desprovidos de materialidade – no sentido de corporalidade – focalizando-se no sistema de percepção e na capacidade estética de análise do espectador, as pinturas da série “Virtual Space” colocam de novo a questão da imagem, da forma mais radical de sempre. Onde está a imagem? O que é a imagem? Qual o significado da imagem? Qual o seu alcance? Aqui, o processo criativo desenha-se a partir dos conceitos espacial e imaterial, continuando, no entanto, a fazer parte e a ser o centro da pintura. Michael Burges conferiu à pintura uma nova dimensão. Os seus novos quadros são por assim dizer “buracos brancos”. Eles irradiam tudo e são, ao mesmo tempo, impermeáveis.
Tudo acontece em nós, desde que munidos do conhecimento indispensável dos princípios básicos da percepção visual. Se não possuirmos esse conhecimento, eles não nos poderão ensinar.
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Gerhard Charles Ramp, Die Welt
(traduzido por Fernanda Valente)
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Nota: A versão deste artigo em inglês (A new dimension in painting - english version), assim como a biografia e os quadros do autor, da série "Virtual Space Works" a que este artigo faz referência, poderão ser consultados no sítio oficial de Michael Burges.
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«Imagens cedidas por cortesia do autor»

1 comentário:

antónio m p disse...

É sempre fascinante visitar este blogue. Muita estima. amp